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Foto do escritorGabriel Fernandes de Oliveira

Assertividade: o desafio de defender necessidades e preservar relações através da comunicação

Atualizado: 7 de abr. de 2022


Imagine o final de um dia cansativo em que você não vê a hora de dormir. Você se prepara, relaxa, e quando deita na cama, seu telefone toca. Você atende e uma pessoa muito íntima e querida por você, que não sabe como foi seu dia, diz que não é urgente mas quer conversar com você e te pergunta se está fazendo alguma coisa. Você prefere dormir e se vê em um conflito de necessidades: a sua e a do outro. Se atender sua necessidade, não atende a necessidade da outra pessoa e se atender a dela, não atende a sua. Ao mesmo tempo que quer evitar o risco de conflito, não quer sair com uma insatisfação. A forma que você se posiciona numa situação como essa, o que ela significa e as consequências desse posicionamento envolvem autoestima, autoconhecimento, habilidades sociais e a qualidade das relações. Esse tema que compõe o eixo desse texto.



Intenções: Interesses, necessidades, vontades e direitos


As vezes falo sobre defender necessidades, as vezes interesses, as vezes direitos. Cada jeito de falar convida a um jeito de pensar. Algumas vezes quando uma pessoa coloca uma necessidade nossa em risco ela não percebe que está fazendo isso e pode ser um momento oportuno de comunicar isso a ela e descobrir o que pode ser feito sobre. Apresentar nossas intenções para o outro, ajuda a compreender onde queremos chegar com nossas palavras e não apenas o que essas palavras significam.


Quando falamos que você tem um interesse, falamos de uma intenção mais flexível. Aproveitando o exemplo anterior seria como estar interessado em dormir mais cedo mas não ser algo que você faça tanta questão, a ponto de poder conversar um pouco antes de dormir. O interesse pode ser apresentado como "eu gostaria de poder dormir mais cedo..." (Substitua o sublinhado pelo melhor exemplo que vier na sua cabeça).


A necessidade já é algo mais sério que um interesse. Você precisa dormir, se não descansar vai ter consequências complicadas que vão te atrapalhar. É quando o sono é uma necessidade e não apenas uma vontade. A necessidade é menos negociável. É um exercício de autoconhecimento compreendermos o que realmente faz parte de nossas necessidades e o que pode ser flexibilizado. Ela pode ser apresentada como "eu preciso dormir...".


As vezes você simplesmente está com vontade de alguma coisa. Ter uma vontade atendida é gratificante, mas nem toda vontade pode ser atendida ainda que seja desagradável passar vontade. Falar sobre a sua vontade é uma forma mais flexível de apresentar sua intenção, mas pode colocar a pessoa na posição desconfortável de saber que vai te frustrar se não atender sua vontade. Se de um lado é importante valorizar suas vontades, pois como seres humanos sentimos vontades e desejos e gostamos de saciá-los, por outro pode exercer pressão em pessoas desconfortáveis em te frustrar, e serem sentidas como agressivas. A vontade pode ser apresentada de acordo com a intensidade como "eu quero dormir..." ou "to muito afim de dormir...". O primeiro passo para uma comunicação assertiva é saber quais suas intenções com essa comunicação antes de começá-la. O que você quer do outro com a sua fala? Qual modo de falar está mais de acordo com isso que você quer? Qual é sua prioridade no momento?


Menção honrosa: direitos O foco desse texto são relações interpessoais do cotidiano, mas vale mencionar que os direitos podem se encaixar na conversa sobre assertividade quando olhamos não apenas nossa relação com o outro, mas nossa relação com a sociedade de forma mais ampla. Como psicólogo e cidadão me posiciono a favor dos direitos humanos e isso significa que entendo que a sociedade deve garantir as condições necessárias para que uma pessoa tenha uma vida digna, simplesmente porque ela existe e é um ser humano como eu. Em situações onde os direitos estão sendo feridos, se posicionar em defesa deles pode garantir não só que suas necessidades sejam atendidas, mas que necessidades sociais sejam atendidas. Por exemplo, quando duas pessoas do mesmo gênero defendem o direito de demonstrar afeto em público, não estão defendendo apenas o direito delas, mas de todos que tem esse direito e que precisarão de sua garantia no futuro.


Horizontalidade: deveres e respeito


Assim como você, o outro também tem intenções, necessidades, interesses e direitos. O que estou chamando de horizontalidade é o cuidado para que não haja sobreposição de necessidades numa relação. Sua necessidade é tão importante quanto a necessidade do outro. Se você quer ter suas intenções reconhecidas o mínimo a se fazer é oferecer esse reconhecimento as intenções do outro também. As vezes, primeiro precisamos aprender a dar espaço para outro dizer não, para então conseguirmos dizer não com naturalidade. As vezes ficamos irritados pelo outro não perceber e não atender uma necessidade nossa, mas nós podemos não estar percebendo e atendendo a necessidade do outro.


Em toda relação há algum desequilíbrio de poder. Isso varia de acordo com a cultura que estamos olhando. Esse desequilíbrio pode acontecer em função da identidade das pessoas - questões de gênero, étnico-raciais, socioeconômicas ou de papel segundo alguma hierarquia - ou em função do quanto a sociedade vai legitimar mais algumas verdades que outras. Tomando como exemplo a própria relação terapêutica, a figura do psicólogo canaliza vários discursos que exercem poder: o discurso da saúde, do saber sobre a mente, de ter as respostas para o alívio da dor emocional e resolução imediata dos problemas. A psicóloga e o psicólogo carregam a responsabilidade do saber sobre o funcionamento da mente humana para uma boa parcela das pessoas que acabam por colocar o psicólogo nessa posição e esperam que ele aja como tal, que resolva os problemas, que dê as respostas. Entrar nesse papel pode significar exercer poder sobre a pessoa, e sobrepor minhas verdades as dela. Nessa relação, o cuidado com a horizontalidade está em valorizar o saber da pessoa sobre a própria vida, valorizar a capacidade inerente dela em recrutar suas potências na sua história singular de vida e construir a melhor resolução possível dos seus problemas. Posso conhecer todas teorias e todas as técnicas psicológicas, mas quando se trata de conhecer a pessoa diante de mim, ela é a especialista em si mesma. Eu que preciso aprender com ela sobre ela. E eu aprendo muito com meus pacientes, cada novo aprendizado gera uma nova admiração.

O meu saber funciona como condutor, como meio e como possibilidade, não como verdade absoluta e inegociável.

Nas relações do cotidiano, para saber se estamos cuidando da horizontalidade podemos nos fazer algumas perguntas:


Para saber se estamos exercendo poder:

"Estou dando espaço para as necessidades do outro assim como gostaria que ele desse espaço para minhas necessidades?"


Para saber se estão exercendo poder sobre a gente:

"O outro está dando espaço para as minhas necessidades assim como estou dando espaço para as necessidades dele?".


Quanto mais saliente for o desequilíbrio de poder na relação, ou seja, quanto mais um querer exercer poder sobre o outro, mais desafiador será adotar uma postura assertiva nessa interação. Qualquer resistência ao poder pode parecer agressiva. Assertividade envolve não só expor sua necessidade de forma clara, mas posicionar o outro como alguém plenamente capaz de entender e atender sua necessidade dando a escolha para a aceitação, recusa ou negociação.


Agressividade ativa e passiva


Assumimos uma postura agressiva quando queremos impor nossa necessidade ao outro. Essa imposição pode acontecer de inúmeras formas mas em todas elas passamos por cima da necessidade do outro para focar na nossa. Uma agressividade ativa é percebida pela inflexibilidade ou tentativa de exercer poder. Normalmente não há espaço para negociação e você se sente pressionado em atender a necessidade do outro. Isso pode vir num tom intimidador, ameaçador ou humilhante. As vezes pode aparecer na elevação do tom de voz ou numa postura corporal de demonstração de força. Segue alguns exemplos de falas agressivas.


"Você vai fazer isso e ponto, porque eu sou seu chefe. Se não quiser, vai pro olho da rua." "Eu sei o que é melhor pra você e você vai fazer do meu jeito" "Minha necessidade é mais importante porque eu que pago as contas." "Não me interessa o que você acha, e o que você quer..."


Uma postura agressiva deixa claro que a vontade dela deve ser considerada e a sua não.


Uma agressividade passiva segue o mesmo princípio de pressionar para atender uma necessidade própria em detrimento da necessidade do outro, mas essa pressão ocorre ao se posicionar de forma indireta e esquiva. Esse posicionamento trabalha com insinuações e provoca desconforto no outro, sem expressar de forma nítida qual é a necessidade que não está sendo atendida e sem dar espaço para o outro expor suas necessidades.

Esse vídeo ilustra com humor uma comunicação passivo-agressiva.


Condescendência, complacência e flexibilidade


Normalmente essa postura é chamada de passiva. Em conversas com colegas, percebi que essa não é uma nomeação muito justa, principalmente quando a pessoa toma a decisão consciente de adotar essa postura mesmo quando podia adotar uma postura diferente. Como estou falando aqui de uma situação específica de interação onde nossas necessidades fazem contraste com a preservação da relação, posso dizer que essa postura tem a ver com o desejo de preservar a relação. Frustrar o outro, desagradar o outro ou entrar num conflito entre seus interesses e os interesses do outro acaba sendo percebido como um risco indesejável para a qualidade da relação e evitar esse risco acaba sendo a prioridade. Alguns exemplos de falas condescendentes, complacentes e flexíveis:


"Se eu falar que estou incomodada, ele não vai querer mais nada comigo" "Se eu disser não, ela vai parar de falar comigo" "Tudo bem abrir mão de tudo que planejei, se ele vai ficar mais feliz assim" "Tá, pode ser do seu jeito" Nesse posicionamento quem releva suas necessidades primeiro, não é o outro, mas sim, você. Você faz concessões e abre mão de necessidades como forma de cuidar da sua relação com o outro. Essas concessões podem aparecer de maneiras variadas. Vou expor as principais e nomeá-las como condescendência, complacência e flexibilidade. Um posicionamento condescendente coloca o outro como inferior ou incapaz de atender suas necessidades, logo você abre mão delas porque na sua percepção o outro não conseguiria fazer algo que realmente te atendesse, e você o trata como "café com leite". Aproveitando o exemplo de dormir, seria como entender que a pessoa não é capaz de resistir sua indisponibilidade uma noite, e então você conversa com ela por pena ou compaixão. Um posicionamento complacente coloca o outro como superior e digno de reverência. Você entende que a pessoa tem o direito de sobrepor as necessidades dela às suas, ainda que não concorde, você cede porque entende que isso é o correto. No exemplo seria como entender que essa pessoa é "maravilhosa demais" pra não ter o que quer de você quando precisa, e que é seu dever mover montanhas para atendê-la. O posicionamento flexível já tem a ver com o reconhecimento de que aquela necessidade não é uma prioridade no momento, e tudo bem mesmo abrir mão dela. Não será um grande favor ou um grande sacrifício. Você apenas reconhece que não precisa tanto assim dormir aquela hora, não terá que suportar tantas consequências negativas com essa decisão, e aí você faz uma concessão tão pequena, que é quase natural. A maior parte das questões sobre assertividade que as pessoas trazem para a clínica tem a ver com um desequilíbrio desse posicionamento. As vezes as pessoas se habituaram a abrir mão das próprias necessidades de um jeito, que suas vidas se construíram seguindo a regra de que o que elas querem nunca é o mais importante. Acabam vivendo uma vida definida, exclusivamente, pela necessidade dos outros. As vezes passaram tanto tempo fazendo grandes sacrifícios e grandes concessões sem mostrar o menor sinal de desconforto que acabam nutrindo a expectativa que o outro também vai fazer grandes sacrifícios e grandes concessões, mas quando isso não acontece, começam a adotar posturas agressivas sem perceber. A agressividade aparece para tentar fazer justiça a todas necessidades que foram negligenciadas. Quanto mais as pessoas guardam isso, mais coisas vão por pra fora quando cair a gota d'água. Pessoas que passam muito tempo abrindo mão dos próprios interesses, eventualmente experimentam episódios de explosão de agressividade.


As vezes a percepção de que é possível evitar o conflito é apenas ilusória. No final, quando você pensa estar evitando um conflito, você apenas está optando por trazer o conflito para dentro de si mesmo.

Qual melhor forma de se posicionar?


A resposta inicial para essa pergunta é a resposta favorita das psicólogas: depende do contexto. As situações onde há conflito de interesse variam e as vezes uma resposta mais agressiva ou mais flexível pode ser a mais adequada para aquela situação. Quando você sofre uma violação de direitos um posicionamento mais agressivo pode ser aquele que vai garantir seus direitos nessa situação, sendo que o posicionamento condescendente não consegue esse efeito. Ao mesmo tempo quando você está sob ameaça de algum tipo, o posicionamento complacente pode te proteger, enquanto o posicionamento agressivo pode aumentar os riscos desnecessariamente.


Conforme vamos nos conhecendo nossas prioridades vão ficando mais nítidas, de modo que sabemos o que inegociável e o que pode ser flexibilizado em cada situação. Conforme vamos conhecendo o contexto - as pessoas com quem nos relacionamos, o meio de contato que usamos pra comunicação, o momento da comunicação - vamos desenvolvendo critérios do que é mais adequado em cada situação. Retomando o exemplo inicial, se naquele momento a necessidade de sono pode ser flexibilizada ou se há um valor inegociável em fazer a manutenção dessa relação preciosa, tudo bem escolher conversar e acolher a pessoa, abrindo mão do sono. Por outro lado, se naquele momento o sono é uma necessidade inegociável e você precisa da compreensão daquela pessoa, tudo bem dizer não de forma amigável, confiar na compreensão do outro e ir descansar.


O desafio aqui é construir um equilíbrio entre os posicionamentos evitando os extremos, tanto o extremo agressivo quanto o extremo flexível produzem sofrimento.


Concessão colaborativa



As relações que as pessoas descrevem como mais satisfatórias, saudáveis e valiosas costumam mostrar algo que vou chamar de espaço para concessão colaborativa. Cada pessoa vai ter suas necessidades específicas, as vezes numa relação com duas ou mais pessoas não vai ser possível atender todas necessidades de todas pessoas envolvidas. Em algum momento, para a manutenção da relação, para cultivar ela com qualidade, reciprocidade, confiança, segurança e respeito, alguém vai ter que fazer concessões. Quando todas pessoas da relação, fazem concessões de forma recíproca e as concessões ficam mais naturais dentro da relação algo muito interessante e saudável acontece: as pessoas se sentem mais livres e seguras pra exporem suas necessidades, e se sentem mais confiantes para atender as necessidades do outro. Consequentemente, as pessoas da relação passam a se comunicar mais e melhor, e diminuem a ocorrência de mal-entendidos. Esse espaço é mais convidativo para posturas assertivas e flexíveis e pode ser construído em qualquer relação quando há interesse e colaboração de todos envolvidos. E aí, pensou alguma coisa que não tinha pensado antes? Tem algum exemplo pra compartilhar? Tem alguma crítica ou sugestão? Vou adorar responder seu comentário ou, caso se sinta mais a vontade, sua mensagem direta! Qualquer feedback será um presente valioso para mim! Tudo que escrevo aqui pode e deve ser questionado

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