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Foto do escritorGabriel Fernandes de Oliveira

Emoções não são inimigas

Atualizado: 7 de abr. de 2022

Escuto bastante na clínica versões de "não quero mais sentir isso" e compreendo que algumas coisas são bem difíceis de sentir, angústia, perda, decepção, medo... Mas lutar contra pode ser mais difícil e doloroso que começar aceitando o que estamos sentindo.

É importante lembrar que cada caso é um caso, então cada pessoa vai ter uma história pra contar de cada emoção que sente ou já sentiu. Um paraquedista profissional tem um medo de altura bem diferente do medo de altura de pessoa que não consegue olhar pela janela do último andar de um prédio. Mas há alguma coisa em comum entre esses medos que permite darmos o mesmo nome a eles. Esse texto é uma tentativa de pensar o que tem de comum entre as emoções e como elas podem ser valiosas em nossa vida.


Há diversas tentativas de enumerar as emoções. Você vai encontrar teorias sobre 5 emoções principais, 6, 8 e até 27. É um assunto complexo e portanto tem mais de uma forma de ser observado. Um recurso que me ajuda a conversar sobre emoções é o filme Divertidamente. apesar de não ser teoricamente preciso, é didático, cheio de recursos visuais e divertido. "Ah Gabriel, mas é um filme infantil!" Sim e talvez por isso seja tão didático. O filme conta a história de 5 emoções que moram dentro de uma garotinha e que tem como objetivo cuidar dela. Cada emoção tem sensibilidades e funções específicas nesse cuidado. Essas emoções acessam um painel de controle para influenciar as ações da personagem principal e marcam as memórias que ela constrói ao longo do dia.


Dito isso, farei uma leitura sobre cada uma dessas emoções do filme como um primeiro convite a uma visão mais amigável das emoções que moram na sua cabeça e tentam cuidar de você.

Alegria


A alegria é a emoção responsável por marcar as experiências boas na memória. Como só você pode saber o que te alegra, ela tenta te mostrar trazendo a sensação de bem estar e otimismo. Ela procura produzir mais experiências boas, tentando repetir as antigas ou construindo novas. Ela gosta de te ver motivado, se divertindo ou distraído. Não gosta quando você está entediado.



Tristeza


A tristeza é responsável por marcar experiências ruins na memória. Ela tenta te mostrar quando você perdeu algo importante ou quando precisa de ajuda. Se você já passou pela experiência de valorizar algo só depois que você perde, agradeça a tristeza, pois sem ela você talvez não saberia que valorizava isso. Ela gosta de te ver reconhecendo o que é importante pra você, valorizando experiências difíceis, entrando em contato com seus sentimentos e recebendo ajuda de outras pessoas.



Raiva

A raiva é responsável por marcar experiências de autodefesa na memória. Ela tenta te ajudar a identificar situações de injustiça fazendo você apelar para todos recursos que tem pra se defender delas. Ela gosta de te ver como uma pessoa livre, cheia de poder e capaz de defender seus interesses. Ela não gosta quando você se segura e pensa nas consequências de suas ações.



Medo

O medo é responsável por evitar experiências ruins. Ele te ajuda a identificar riscos e perceber coisas que você não quer que aconteçam. Ele gosta de te ver protegido, seguro e preocupado. Não gosta quando você se arrisca. Ele gosta de se comunicar com você através da sensação "frio na barriga" e de pensamentos que se parecem com "E se acontecer tal coisa?"



Nojo / Repúdio

O nojo ou repúdio é responsável por marcar na memória experiências de gosto ou desgosto. Ele tenta te afastar de coisas que podem te fazer mal e te aproximar de coisas que fazem você sentir bem. Essa emoção é bem ampla, ela te fala tanto sobre a comida que você mais gosta e que mais detesta, quanto a roupa, a música, a série, o estilo, a noção de certo e errado... É como se ela te ajudasse a separar os feijões da sua vida, tirando os que não te atraem e mantendo os que te atraem. Essa emoção te ajuda a conhecer seus gostos e valores morais e cuida para preservar a imagem de quem você gostaria de ser. Ela gosta de te ver tendo experiências que agradam todos seus paladares. Não gosta quando tem uma experiência abaixo dos seus parâmetros de qualidade.


A relação entre elas


Na animação da Pixar, essas emoções são jovens, e nascem nas primeiras experiências que a personagem principal teve de alegria, tristeza, raiva, medo ou nojo. Por serem jovens, mostram certa imaturidade, não conseguem participar juntas de uma mesma memória e, só ao final do filme, a protagonista cria uma memória de alegria e tristeza, simultaneamente. O que é interessante pois apresenta a ideia de que elas podem ser combinadas. Faz sentido quando pensamos que podemos sentir raiva por estarmos tristes, tristes por estarmos com medo ou mesmo alegres e com raiva quando um amigo faz uma provocação... As vezes mais de uma emoção precisa aparecer na mesma experiência para cumprir sua função.


O tempero humano para a realidade


Filmes que retratam ciborgues ou inteligência artificial discutem sobre qual a diferença entre uma pessoa e uma máquina que parece uma pessoa. A máquina pode ter dados suficientes para entender que alguém fica triste ao perder um ente querido, mas ela não pode sentir uma perda parecida com essa. Será que a máquina saberia o valor da vida de um ente querido sem saber qual é a sensação de perda? Será que a máquina saberia o valor de estar com um ente querido enquanto ele está presente?


As emoções dão cor e gosto à vida. O mesmo paladar que permite você sentir o amargo, permite sentir o doce. A mesma visão que permite imagens feias, permite imagens belas. A mesma capacidade que temos de nos entristecer, temos de nos alegrar.

Você precisou provar muitos pratos diferentes, bons e ruins, para descobrir o que mais gosta de comer. Imagine se você tivesse comido tudo rápido, sem prestar atenção, não se lembrando exatamente como era o gosto, você saberia qual é sua preferência com a mesma verdade que sabe hoje?

Com as emoções funciona da mesma forma. Elas precisam ser sentidas para entendermos suas mensagens, como trabalhadoras empenhadas elas não vão cessar enquanto não cumprirem sua função. Perceber o que sentimos, nos detalhes e entender porque sentimos ajuda a tomar ações que colaborem com esses sentimentos. Lutar contra uma emoção é se fechar para o que ela está tentando te dizer, o que pode prolongar e intensificar um sofrimento para além do necessário. Como seria a vida escutando as emoções, aprendendo a língua delas e podendo fazer acordos com elas? Minha alegria acabou de me dizer que é uma vida melhor, e eu concordo.



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