top of page
Foto do escritorGabriel Fernandes de Oliveira

Fazer psicoterapia ou fazer análise?

Atualizado: 8 de abr.

Uma pergunta que envolve questões históricas, teóricas e políticas. Me vi bem no meio dessa discussão então vou pontuar algumas coisas sobre o assunto a partir do texto Psicanálise e Psicoterapias de Renato Mezan. Mas primeiro, vou localizar minha perspectiva pra essa questão.


Minha perspectiva enquanto Psicoterapeuta


Já comentei sobre a escolha da abordagem na terapia em outro texto, mas retomo que os psicólogos ao longo de sua trajetória profissional continuam estudando devido, em parte, à complexidade que encontramos no dia a dia de trabalho. No caso do trabalho clínico, onde trilho meu percurso, encontro a complexidade nas questões das pessoas e do manejo da relação terapêutica nesse tratamento.


Para lidar com essa complexidade, conto com ferramentas teóricas que direcionam minha escuta e meu olhar para as pessoas que me procuram. Pra saber como manusear essas ferramentas sigo estudando a teoria num processo que digamos... não tem fim. Acontece que as vezes discordo de algo nessa teoria. Através de discussões com outros Psicólogos, participação de debates e mais estudos, encontro um lugar para essa discordância e sigo fazendo o trabalho, as vezes com um certo incômodo. Nunca fui de me fixar em uma coisa só, então sempre li de tudo, até coisas que estão bem longe da abordagem teórica que uso.


Chegou um momento no qual minhas discordâncias acumularam ao mesmo tempo em que estava em contato com estudos de uma abordagem diferente da minha que tinha uma resposta para boa parte desses pontos que me incomodavam. Mais que isso, tinham muito a dizer sobre tais pontos. Já tinha conhecido essa abordagem ao longo de minha formação, mas não tinha ido tão a fundo nela. Eu, um Psicoterapeuta que trabalhava com Terapia Narrativa voltei a me interessar pela Psicanálise.


Quando me dei conta, fazia mais de um ano que estava estudando somente Psicanálise. Isso mudou em certos pontos minha forma de escutar e enxergar as pessoas e a mim mesmo. Certas intervenções que tinham muito sentido pra mim foram cedendo espaço a uma nova forma de trabalhar que faz muito mais sentido. Chegou um ponto em que o que faço se distanciou de uma psicoterapia e se aproximou de um processo de Análise.



Qual a diferença entre Psicoterapia e Análise?


Em 1904 Freud afirmou que a Psicanálise era uma Psicoterapia. Nessa época psicoterapia se referia ao tratamento de doenças nervosas (ou neuroses), que não tinham causa física e sim psíquica. As neuroses eram diagnosticadas após os exames não apontarem nenhum distúrbio orgânico, então os pacientes eram encaminhados para um tratamento psíquico por meio de uma conversa terapêutica (uma psicoterapia).


Freud criou um método de tratamento das neuroses chamado Psicanálise, a partir do qual desenvolveu uma Metateoria Psicológica, uma forma de compreender o funcionamento psíquico humano. Ao longo do desenvolvimento da Psicanálise, discípulos e colegas de Freud foram discordando de algumas coisas e desenvolvendo seus próprios métodos e teorias, como Carl Jung e a Psicologia Analítica.


A psicanálise é o método pelo qual um analista conduz a análise de um analisando. Ela funciona a partir de uma determinada forma de manejar quatro conceitos fundamentais: o inconsciente, a interpretação, a resistência e a transferência. Qualquer método terapêutico que não opere com esses 4 conceitos não pode ser chamado de Psicanálise. Esses métodos que não operam com esses conceitos que chamamos de psicoterapias. Parte das psicoterapias vieram da Psicanálise mas se distanciando dela. Outra parte veio por vias mais distantes como as psicoterapias comportamentais. Essas vieram do Behaviorismo que formulou teorias da aprendizagem a partir do estudo do comportamento humano e animal.


É válido considerar também a Psicoterapia Analítica, que se orienta a partir da psicanálise mas não tem as condições ideais para que uma análise aconteça e se opere devidamente com os conceitos fundamentais. Um dos fatores que considero mais relevantes é o tempo do processo. Uma análise não é conduzida a partir da pressa e da busca por resultados rápidos, é um processo artesanal que respeita o tempo de elaboração de cada um.


"As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde" Sigmund Freud

Qual é a melhor?


Cada tipo de tratamento vai se atualizando seguindo seus próprios princípios teóricos. Conheço bons analistas e bons psicoterapeutas em diversas abordagens. Todos são orientados por um trabalho de cuidado e melhora de vida.


Falando por experiência própria todas Psicoterapias que fiz me ajudaram, cada uma de uma forma diferente. Aconteceu que em determinado momento do meu trajeto fez mais sentido entrar num processo analítico (e segue fazendo sentido). Cada Psicoterapeuta e Psicanalista também terá seu próprio percurso pessoal e teórico que vai tornar sua escuta e suas intervenções singulares. Nenhum terapeuta é igual a outro e nenhum tratamento é igual a outro. Tanto falando de Psicoterapia quanto falando de Análise o que vai tornar o processo mais eficaz é sua disposição em estar nele. Um processo desses pode levar anos, daí a importância de escolher um Psicoterapeuta ou Analista com o qual você consiga atravessar os percalços desse processo.


Atualização da discussão


Faz alguns anos desde que publiquei esse texto pela primeira vez, como esse é um texto bastante lido no blog achei interessante acrescentar alguns pontos nessa reflexão a partir do que tenho experimentado na clínica e na minha análise nesse tempo.


Os conceitos fundamentais da psicanálise nos ajudam a sustentar uma relação de contracultura no encontro clínico. É dificil dizer sobre a psicanálise pelo que ela é, mas talvez um pouco menos difícil dizer o que ela não é, como força de oposição ou bifurcação. Dizer que ela opera como uma forma de contracultura é colocá-la como algo diferente do que é esperado culturalmente, ou prescrito como normal.


Se a cultura coloca o Psicólogo como aquele profissional da saúde que visa a melhora do paciente num dado quadro de valores que apontam o que é melhor e necessário para essa melhora, o Psicanalista aparece como aquele que vai manter em aberto a questão sobre o que é o melhor pra cada paciente. O quadro de valores não vai ser algo estabelecido antes do atendimento, mas construído durante.


A ideia de melhor vai depender do que está sendo considerado o melhor e o pior para aquela pessoa que procurou o atendimento, ainda que no início não esteja claro quais valores estão em questão aí. Por isso o analista não vai se colocar a favor de qualquer valor verdadeiro sobre a cura daquela pessoa, para que a verdade da própria pessoa emerja dessa relação.


Essa é uma diferença importante de uma análise e uma terapia. Na análise há o compromisso radical com o sujeito do inconsciente; com aquele que fala através de nós, por nós, sem percebermos e denuncia os valores que temos e nem sabemos.


Os conceitos fundamentais permitem que criemos uma situação onde esse tipo de experiência apareça. Vou correr o risco de perder rigor teórico e talvez até de soar vulgar, mas vou tentar descrever de forma resumida como esses conceitos aparecem na clinica de modo a diferenciar uma Psicanálise de uma Psicoterapia.


  • O inconsciente é essa instância que reconhece que há algo em nós além do que nossa consciência alcança, de forma estrutural. As psicoterapias trabalham a partir da consciência, e apesar de considerar fenômenos inconscientes não se apoiam nele na condução do tratamento.

  • A transferência é a relação que se estabelece entre analisante e analista na qual um saber inconsciente é transferido ao analista, que é o que o autoriza, inclusive, a operar nessa função de analista. A função de analista existe num momento, não o tempo todo, e é no momento onde a fala do analisante se endereça ao analista nessa forma de transferência de saber. Nas psicoterapias isso pode até acontecer, mas o psicoterapeuta responde a partir de um saber (da psicologia, das ciências, do seu próprio quadro de valores, etc);

  • A interpretação é como o analista responde desse lugar que a transferência possibilitou, através do discurso do analista, que tem a ver com uma forma diferente de estar na relação com os outros, onde a angústia de não saber é sustentada. A resposta do analista é sempre do lugar do não saber em direção à divisão subjetiva do analisante que fala , que pergunta, que demanda um saber sobre si, sobre seu sofrimento, sobre sua falta.

  • A resistência é uma operação do sujeito do inconsciente que busca manter a integridade da sua estrutura psíquica. Ela aparece como uma recusa em reconhecer o inconsciente e seus efeitos caso a revelação seja algo doloroso, vergonhoso ou difícil de aceitar por qualquer motivo. A negação e o esquecimento são formas comuns de resistência e são fenômenos essenciais pra balizar o tempo de elaboração de cada um (que eu já tinha apontado nesse texto). Como uma operação inconsciente, as psicoterapias não consideram esse fenômeno, já que trabalham a partir do que está no alcance da consciência.


A psicanálise foca nos conflitos entre nossos desejos e as interdições, o que queremos, podemos ou devemos. Por isso trata de questões culturais, já que a construção do que é mais ou menos permitido e mais ou menos aceito é uma construção social que varia de local pra local. Mas também trata de interdições reais que ainda não foram simbolizadas, como uma fantasia onipotente de que podemos ter tudo que gostaríamos de ter.


Ser um psicólogo e estar fazendo meu percurso na psicanálise tem me levado a refletir cada vez mais sobre as pressões sociais em cima de ideais culturais que deixam pouco espaço pra desejar no meio disso tudo. O desejo na psicanálise não se trata de uma vontade, mas de uma falta, de um vazio que é estrutural. Ir contra a cultura é um exercício que nos leva a (re)conhecer cada vez mais a cultura em que estamos inseridos e pensar até que ponto estamos vivendo uma vida mais nos nossos termos ou nos termos dos outros.


A psicanálise não resolve todas as questões e não é a melhor indicação em todos os casos. Mas de fato ela propõe um tratamento diferente de uma psicoterapia. Inclusive ela procura tratar esse tipo de idealização. Ainda sinto dificuldade em pensar se em algum momento eu deixo de ser psicoterapeuta de orientação psicanalítica pra ser 100% psicanalista ou vice-versa, mas percebo que ao longo da formação me torno cada vez menos psicoterapeuta e mais psicanalista, no sentido de conseguir sustentar melhor as condições pra que uma análise de fato aconteça.


A Psicoterapia que aprendi na faculdade é muito mais próxima de uma atividade médica, que segue uma lógica da saúde e que usufrui do poder que o discurso sobre a saúde carrega. Uma diagnóstica que dialoga com prescrição de tratamentos e medicamentos para redução de sintomas. É justo reconhecer que são práticas eficazes nisso e, em alguns casos, mais que a psicanálise.


Mas é importante reconhecer também, que o objetivo da análise é outro. A Psicanálise é um convite para uma forma diferente de se relacionar com o saber, o desejo, a verdade e a existência no mundo social. Diferente de tudo que foi prescrito, de uma forma singular sua mas também em relação com aquela figura de analista que você escolheu e o que quer que a imagem dele represente para você. Faço a leitura de que uma análise produz uma forma mais autêntica de viver que reconhece os limites humanos de si mesmo e do outro.


Não se levar tão a sério, aprender a perder e se permitir experimentar a falta de sentido pode ter uma relação próxima com um estado de menor sofrimento e uma vida mais significativa. Se não for isso, talvez eu esteja fazendo errado minha análise e no futuro volte nesse texto pra falar mais sobre isso.



Dicas


1) Qual é a diferença entre psicologia, psicanálise e psiquiatria?: ttps://www.youtube.com/watch?v=FjYvwYuCsDE


2) Quem precisa de análise?


3) Qual a real diferença entre Psicologia e Psicanálise https://www.youtube.com/watch?v=ewn8DBJ-Viw&t=39s


2.025 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
Contato

(16)99159-0101

Este site não oferece atendimento imediato a pessoas em crise suicida. Em caso de crise ligue ​para o CVV - 188. Em caso de emergência, procure o hospital mais próximo. Havendo risco de ​morte, ligue imediatamente para o SAMU (telefone 192)

©2020 por Psicólogo Gabriel Fernandes de Oliveira.

Todos os direitos reservados

bottom of page