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Foto do escritorGabriel Fernandes de Oliveira

Os vários tipos de solidão

Atualizado: 7 de abr. de 2022

Ouvi bastante gente dizendo que sente falta da presença de outras pessoas nesse momento de distanciamento social. Entre as psicólogas e psicólogos também escuto falar sobre sentir falta do atendimento presencial. Nesse texto vou comentar sobre diferentes formas de estar presente e as possibilidades de presença que o contato virtual oferece.


Pra cada forma de estar presente há uma forma de se sentir só


Somos feitos de muitas partes, as vezes alguns encontros oferecem companhia para poucas partes de nós, trazendo a sensação de que não estamos ali de verdade ou que estamos usando alguma máscara. As vezes alguns encontros oferecem companhia pra muitas de nossas partes, trazendo a sensação de que somos compreendidos de forma mais completa. Outras vezes alguns encontros oferecem companhia para qualquer uma de nossas partes, trazendo a sensação de que somos aceitos.


Estou chamado de "parte" todo fragmento de experiência com continuidade. Se toda vez que escuto música clássica, gosto, a ponto de saber que se eu for escutar novamente vou gostar, posso chamar isso de uma parte minha. Se toda vez que alguém faz uma piada com a minha risada, eu me irrito, a ponto de saber que vou ficar irritado quando percebo alguém prestes a fazer uma piada, também posso chamar isso de uma parte minha. Esse fragmento de experiência pode ser um gosto, uma emoção, um sentimento, um pensamento... Algumas partes gostam de ter apenas nossa audiência, mas outras pedem para ser vistas, testemunhadas, reconhecidas ou valorizadas por outras pessoas. Normalmente são elas que trazem sensação de solidão.


Se alguém gosta de cantar mas nunca teve a oportunidade de ser assistido cantando, essa parte vai ficar sozinha nesse alguém. Se outro alguém ama seu trabalho e gostaria de conversar sobre ele, mas toda vez que tenta ouve que não querem falar desse assunto, esse alguém pode sentir essa parte mais solitária. Uma parte nossa gosta de ver o jogo de futebol, outra gosta de assistir um filme, outra de conversar e beber uma cerveja, outra de ouvir música, trabalhar, cantar, dançar, abraçar... Somos diversos por dentro. Você pode estar sempre acompanhado, mas se suas companhias não acompanham partes fundamentais de você, o sentimento de solidão pode aparecer.


Tudo aquilo em nós que traz vontade de ter companhia ou atenção pode trazer o sentimento de solidão quando não receber essa companhia e atenção.


É certo que parte ou outra vai acabar não recebendo companhia e as vezes nem vale a pena procurar companhia para ela, no entanto, há partes nossas onde companhia é fundamental e que ao ficarem em solidão por muito tempo dentro de nós, invadem nossas emoções e sobrepõe nossa atenção com essa solidão.


Proponho uma reflexão. Se observe por um momento e pergunte:

Quais são as partes que me compõe?


Para quais dessas partes companhia e atenção são fundamentais?


Quem costuma ofertar companhia e atenção para cada uma dessas partes? Pense no que essas pessoas tem ou fazem pra conseguir acompanhar essas partes, te deixar a vontade a ponto de não querer escondê-las e nem permitir que elas se sintam sozinhas dentro de você quando estão presentes. Não é qualquer pessoa que pode ofertar companhia pra essas partes, e essa companhia também não pode ser ofertada de qualquer jeito. Vale a pena valorizar esse tipo de companhia quando encontramos.


"Não ouses roubar minha solidão se não fores capaz de me fazer real companhia" Friedrich Nietzsche

Real companhia


Considero que o mínimo que um psicoterapeuta deve oferecer a um paciente é real companhia.

Estou chamando de real companhia um jeito específico de estar presente e dar atenção típico do momento de atendimento clínico. Apesar do cuidado com a conversa no atendimento assumir um tom profissional e técnico, tenho o entendimento de que toda conversa pode ser cuidada. Esses cuidados permitem que você realmente esteja presente com outra pessoa.


Dar atenção


Quando você está conversando com uma pessoa e ela começa a mexer no celular enquanto fala com você, um desconforto pode aparecer pois a partir desse momento, a pessoa está dividindo a atenção que dá a você com outra coisa. Tanto a quebra do contato visual e a mudança súbita de assunto quanto as múltiplas atividades feitas durante a conversa podem sinalizar que o foco e atenção não são 100% do outro. Uma escuta atenta traz mais presença à interação com essa pessoa.

Dedicar tempo


É diferente conversar com alguém com pressa, com pouco tempo disponível, que mal espera você terminar de falar e conversar com alguém que dedicou um tempo exclusivamente pra conversar com você. Se você está com outra pessoa preocupado com onde tem que ir quando sair dali, você está mais no futuro que no presente. Oferecer um recurso tão precioso quanto o tempo a outra pessoa traz mais presença a interação com ela.


Ser verdadeiro


Foi difícil decidir o nome desse tópico, e talvez seja o atributo que torne mais rara a oferta de real companhia. As vezes na presença de algumas pessoas não podemos dizer o que realmente pensamos porque pode soar ofensivo, inadequado ou incômodo. Pelos mesmos motivos, não compartilhamos nossos reais pensamentos e sentimentos por mais que eles apareçam incessantemente na cabeça. Esse movimento de se esconder, custa energia e, dependendo da situação, pode trazer o incômodo que tentamos evitar causar nos outros a nós mesmos. Aquela risada educada que você dá quando aquele seu amigo faz aquela piada incômoda, põe seu incômodo em isolamento e solidão, mesmo ele representando verdadeiramente seus sentimentos. Ao mesmo tempo, o emissor da piada faz novas piadas pois pode não perceber que elas causam incômodo, afinal você até riu.


Há um discurso dominante que diz como devemos ser independente de como somos. Nossa sociedade é ensinada a valorizar mais o parecer que o ser. Isso já traz uma certa pressão pra fingirmos alguns pensamentos e sentimentos mesmo quando não são verdadeiros. Em contexto nacional, vivemos num momento de grande polarização política o que também nos pressiona a tomar cuidado com o que dizemos, afinal podemos gerar conflitos e desentendimentos.


De alguma forma, ser verdadeiro acaba sendo um ato revolucionário de resistência a essas pressões.

A experiência de não precisar esconder nenhuma parte sua diante de alguém que não esconde também nenhuma parte de si costuma ser algo marcante e transformador. Ser verdadeiro na companhia de outra pessoa traz mais presença na interação com ela.


Contato Virtual


Há diversos níveis de presença em contatos virtuais, podemos ir desde conversar por e-mail (baixo nível de presença), passando por mensagens de texto, ligações telefônicas até conversar por vídeo-conferência (alto nível de presença).


Nesse sentido, podemos pensar numa interação virtual mais presente possível. É importante pensar no possível porque há elementos da interação presencial que não conseguimos trazer para interação virtual, como contato físico, contato visual (olho no olho) e uma comunicação isenta de falhas como queda na conexão, falha no áudio etc. Afinal, uma pessoa que se abre pra você presencialmente, não corre o risco de acabar a luz e ser forçada a interromper a interação repentinamente. Por outro lado há elementos como atenção, tempo e autenticidade que podemos trazer para o contato virtual.


A solidão está diretamente relacionada á mazelas na saúde mental como depressão e ansiedade. Você pode ficar sozinho, gostar de ficar sozinho e ter momentos de solitude em que sua companhia te completa e te basta, mas em algum momento é preciso ter companhia. Em algum momento é preciso ter real companhia. Na falta dessas, o sentimento de solitude vai assumindo a forma de solidão e sinalizando que necessidades básicas não estão sendo atendidas: atenção, companhia e contato.


Quem traz a luz e o calor da companhia para suas partes mais fundamentais?

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