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Foto do escritorGabriel Fernandes de Oliveira

Precisamos conversar sobre produtividade

Atualizado: 7 de abr. de 2022

Muita gente vem a clínica trazendo questões sobre produtividade. "Não me sinto produtivo", "Será que sou produtivo o suficiente?", "Preciso ser mais produtivo". Quando alguém comenta que teve uma semana boa, é comum também ouvir "essa semana consegui ser produtivo" ou "estou me sentindo bem porque fui mais produtivo". E a fala que mais ouvi nessa quarentena foi "não tenho conseguido manter minha produtividade na quarentena".

O que produzimos quando somos produtivos?


As histórias mais dominantes sobre produtividade contam sobre trabalho e estudo. Então devo trabalhar, se trabalhei hoje fui produtivo. Ou devo estudar, se estudei hoje, fui produtivo. Quando alguém diz sobre ser produtivo, o sentido mais compartilhado está em algo como cumprir uma responsabilidade, um dever. Faz sentido se pensarmos que as pessoas carregam ao menos uma dessas responsabilidades durante todo o ciclo de vida no mundo em que vivemos. Mas o que exatamente é produzido quando cumprimos nosso dever de trabalhar ou estudar? Bom, depende. Quais são seus deveres hoje? Se fosse montar uma lista com todas suas responsabilidades, quais seriam os itens dessa lista? Seu senso de dever vai dizer sobre sua percepção de produtividade, e sua percepção de produtividade vai dizer sobre o produto.

Exemplo: esse texto


Vou me usar de exemplo. Meu senso de dever me disse que eu precisava escrever esse texto, e estou escrevendo ele faz três dias. O que eu produzi nesse processo que me permite afirmar que fui produtivo? A resposta óbvia e imediata é, produzi um texto para o blog, mas não é só isso. Posso pensar numa lista de coisas que eu produzi escrevendo esse texto nesses três dias:

  • Sensação de bem estar por ter um dever cumprido

  • Prazer em refletir sobre um tema que me interessa

  • Satisfação em imaginar que esse texto pode ajudar alguém que enfrenta dilemas de produtividade

  • Momentos nos quais pude fazer algo que gosto: escrever

  • Mais uma opção pra quem lê o que escrevo se aproximar do que eu penso

  • Ideias para novos textos

  • Frustração quando não encontrava criatividade

  • Cansaço quando não respeitava meus limites

Se você me perguntar se "prazer em refletir sobre um tema que me interessa" estava na minha lista de tarefas responderei que não. Na minha lista constava apenas "escrever o texto sobre produtividade". Então será que só me senti produtivo no terceiro dia quando finalizei o texto? Talvez eu tenha me sentido produtivo ao longo do processo de forma diferente de como me senti produtivo ao final, diria que são tipos de produtividade diferentes porque são produtos diferentes. Considero mais interessante pensarmos em produtividades no plural. Por que será que as pessoas não costumam pensar que suas emoções também são produzidas em suas ações? Parece que não importa tanto se uma atividade produz alegria, satisfação, alivio, prazer, estresse ou angústia pra dizer o quanto ela é produtiva? Por que algumas produtividades parecem mais produtivas que outras?


Produtividade como construção social


Para pensar nesse monte de questões que levantei, começo trazendo o entendimento de que o que aprendemos a nomear como produtividade ou produtivo é uma construção social. Isso significa que grupos compartilham esse significado e sustentam ele com suas práticas, e nós fazemos parte desses grupos.


O grupo que decidiu o valor e o significado da produtividade é o grupo que participa do sistema capitalista em um modelo neoliberal de consumo. No caso eu, você e provavelmente todos pra quem você mostrar esse texto, é um grupo grande. Dentro desse grupo, o produto é a mercadoria, e ser produtivo é criar essa mercadoria na maior relação de custo benefício possível. Em uma sociedade capitalista como a nossa, nossas ações ganham o valor de produtivas quando nos aproximam dessa relação comercial de troca, agregam valor ao que podemos vender.


Isso quer dizer que aquele dia que você produziu alegria, felicidade de viver, prazer, cultivo das suas relações sociais, contato com a arte, pensamento de qualidade, momentos de qualidade consigo mesmo, autocuidado, autoconhecimento, boas ideias ou paz pode ser interpretado por você como um dia em que você não foi produtivo, já que esses produtos não te agregam valor em termos de custo/benefício. É quase como se a gente entrasse em uma negociação infinita com tudo buscando esse maior custo/benefício até chegarmos ao ponto de negociar com o próprio tempo, tentando otimizar ao máximo tudo que a gente faz pra "sair ganhando" e sendo mais produtivo. Se você alguma vez já tentou fazer 2, 3, 4 ou mais coisas ao mesmo tempo sem conseguir aproveitar tão bem cada uma delas, ou já disse que um dia precisava ter mais que 24 horas, você sabe do que estou falando.


Há ainda dois agravantes que tornam a produtividade algo viciante. Nosso grupo, que vou chamar de sociedade capitalista, se sustenta na ideia de competitividade e se orienta na direção individualismo.


Competitividade


Como assim você está assistindo Netflix enquanto o seu primo está trabalhando em dois empregos ao mesmo tempo, fazendo curso de inglês, alemão e francês, liderando uma Startup de proteção ambiental, com casamento marcado, uma cobertura em Copabacana com vista pro mar e dois PHDs?


Pois é, as redes sociais aumentaram tanto o alcance do nosso olhar ao ponto de certamente encontramos alguém que consegue ser muito mais produtivo. Sempre que olharmos pra essa pessoa, não importa o nível de nossa produtividade, vai parecer pouco. Então é uma fórmula em direção ao infinito pra aumentarmos nossa produtividade cada vez mais até o fim da vida.


Individualismo


Somos experts em identificar o que nos diferencia dos outros e atribuir valor a isso. Das coisas maiores à menores, sempre há uma forma de se diferenciar. É ótimo ter espaço para individualidade, afinal isso abre espaço para ser quem somos, únicos, peculiares e livres. Nós gostamos de nos diferenciar ao mesmo tempo que queremos ser aceitos pelo grupo nessas diferenças, é uma forma resumida e simplista do que é crescer em uma sociedade. Isso traz benefícios para os grupos, pois onde há diversidade de pessoas há diversidade de ideias e de possibilidades.


Duas cabeças pensam melhor que uma se elas não forem iguais

Isso também é interessante para o capitalismo. Afinal se todo mundo compra uma camisa verde, e eu começo a vender uma camisa amarela, as pessoas vão querer se diferenciar. Aí depois vendo uma camisa preta e por aí em diante. O poder de consumo de alguém diz sobre a possibilidade de escolhas que essa pessoa pode fazer, e cada escolha que uma pessoa faz torna ela mais única. Quantas pessoas podem comprar uma camisa feita de diamantes? Quem comprar será a única (ou uma das poucas) com uma camisa feita de diamantes. Acontece que de uma camisa verde até uma camisa feita de diamantes há um caminho bem longo, e dificilmente possível de ser percorrido em uma vida. Chegamos novamente em uma fórmula em direção ao infinito que só acaba quando a vida acaba.


Isso serve pra tudo que pode ser produzido e consumido. Por exemplo enquanto algumas pessoas acreditam que sua internet é ruim, e calcula como pode fazer para melhorar seu plano e ter uma internet melhor, vivemos em um país onde 1 a cada 4 brasileiros não tem acesso a internet. Legal a crítica social Gabriel, mas eu vim ler sobre produtividade o que tem a ver?


Bom, bem simples, a forma que o pensamento individualista opera afeta sua saúde mental. O individualismo dificulta que você se perceba como parte de um grupo, então você pode entender, por exemplo, que o avanço da internet tem mais a ver com a velocidade e qualidade da conexão (sua experiência individual) que maior acesso para as pessoas (experiência coletiva). Isso contribui para que você não comemore o sucesso da sua família quando vê o "sucesso" do seu primo e não o seu. Isso faz com que o peso do sucesso caia sobre você, e dite a sua identidade como alguém bem sucedido ou não. E na sociedade capitalista produtividade está diretamente ligada à sucesso. Logo


Quando você não se vê bem sucedido tende a entender que é porque você não está sendo tão produtivo



Sendo que seu sucesso também depende da sociedade que você vive, das ideias de sucesso que te foram expostas, dos exemplos de sucesso que aprendeu ao longo da vida, e das possibilidades que aprendeu a enxergar pra você mesmo. Apesar de ajudar a entender um pouco melhor, levantar hipóteses sobre por que existe esse sofrimento em torno da produtividade não ajuda a pensar no que fazer, de forma prática. Minha sugestão é começar se fazendo algumas perguntas.


Pra quem quero ser produtivo?

Muitas vezes nossa produtividade está condicionada às expectativas de outras pessoas. O alerta aqui é que as outras pessoas não sentem sua alegria, satisfação, prazer, medo ou dificuldade e atender as expectativas delas pode significar abrir mão de tudo isso. Essa pessoa pode ser qualquer uma cujas expectativas te atingem, normalmente um chefe, professor ou familiar. O outro pode te pressionar mesmo depois que chegar a seu limite e só você vai saber quando chegar e poder dar algum sinal e evitar sofrer consequências mais graves por ultrapassar seus limites.


O que é sucesso pra mim?

Se sucesso for ter boas amizades, passar um tempo conversando com os amigos e cuidando da relação com eles pode ser produtivo, afinal o produtivo dessas ações é a manutenção de boas amizades. Se sucesso for ter conforto financeiro, que ações você pode por em prática hoje que vão significar passos na direção desse conforto? Essas ações podem ser produtivas. Quanto mais precisamente você souber onde quer chegar e que tipo de vida quer ter, mais capaz de perceber sua produtividade você será.


O que quero produzir hoje?

A produtividade só acontece no presente, então pensar no próximo passo ou na próxima tarefa, pode ajudar. O famoso um dia de cada vez. Criar uma lista com o que você quer produzir no dia e ir riscando os itens conforme conseguir fazer traz consciência pra esse processo. Saber qual lista serve melhor pra você em cada momento também é um processo, porque se a lista for desafiadora demais, você pode sentir que não está sendo produtivo, mas se ela for fácil demais, você também pode sentir isso. Então a ideia é se propor desafios e ir percebendo o quanto consegue cumprir, fazendo alterações necessárias e sendo flexível com a próxima lista e se conhecendo melhor nesse processo.


Quem pode me ajudar a produzir o que quero?

Algumas coisas só podem ser produzidas na relação com outra pessoa. Podemos pensar desde produtos como conversa até coisas como compreensão, atenção, acolhimento, escuta. O potencial de realização e produção que temos em grupo é bem maior do que sozinhos. Descobrir a forma de conquistar isso nos grupos que você faz parte significa dividir a carga das tarefas e compartilhar as conquistas


Tenho produzido o que é importante pra mim?

Aqui está implícita a pergunta "o que é importante pra mim?", e a partir dessa resposta é possível pensar se está produzindo isso. Essas perguntas exigem bastante honestidade e sensibilidade consigo mesmo. Ultimamente tem sido importante pra mim produzir cuidado, felicidade, amor e paciência.


Desde o início dessa pandemia a produtividade no trabalho pode ter caído mas talvez seja o momento de pensar em outros tipos de produtividade. É uma situação muito fora do comum, então nossa produtividade também vai estar fora do comum. Em uma sociedade capitalista é difícil entender que se a gente produziu felicidade em um dia, fomos produtivos, afinal nossa felicidade não vende, não soma no currículo não tem um custo/benefício alto, mas é importante fazer esse exercício de pensar o que nos afasta e o que nos aproxima da sociedade. Caso contrário nossos valores serão sempre o do grupo, e um grupo que não experimenta nossas alegrias e dores. Que consigamos valorizar a produtividade de saúde, boas emoções, boas ideias e autocompaixão nessa quarentena! Comenta aqui o que tem conseguido produzir de valioso nessa quarentena além de trabalho e estudo.


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